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Conto

Dia de feira

Foto: Fabiane de Paula | Diário do Nordeste

– Pronto, Severo. O apurado para o enxoval do menino.

Dona Inácia estava duplamente satisfeita naquela quinta-feira.

O neto a caminho fora a primeira boa notícia em meses. A essa nova, somou-se a venda do algodão, colhido no roçado.

– Tome. Cinco fraldas, lençol e talco. E não esquece do que comer.

Da mulher, Severo recebeu os trocados, sorrindo e de olhos arregalados, como sempre quando ficava contente.

A feira na cidade era dali a dois dias, no sábado. Juntava gente dos sertões de toda a redondeza. Um acontecimento.

Às 4h de sábado, Severo dobrou a grossa saca de pano e, na carroceria do carro de linha, partiu para a cidade. O dinheiro no bornal de couro cru.

A feira estava uma festa. O inverno fora generoso, e era tempo de fartura naqueles anos 60 na Paraíba.

Reencontros efusivos. A cada um, o convite dos amigos a Severo para uma chamada de cachaça. Assentia com a cabeça e tomava uma bicada.

Compra a compra, a pinga também era oferecida pelo vendeiro. Celebração pelo negócio fechado.

De gole em gole, Severo chegou lento à compra do último item listado por Inácia. A saca estava pesada.

Além das peças do enxoval, arroz, rapadura e os quartos de bode. Mais uma lapada de cana. Perguntou:

– A que horas volta o carro para o sítio?

À resposta que seria em 40 minutos, ele deitou a sacola de pano embaixo da árvore. Acocorou-se, assistindo ao dominó dos demais que tomariam a condução.

Sobre o caixote improvisado de mesa, intercalavam as partidas a petiscar farofa de galinha torrada. O litro de aguardente já pela metade.

– Muito grato. Só mais essa.

E foram outras até Severo, despachado pelo carro, ser visto cambaleando no rumo de casa.

– Ô Severo, cadê o enxoval do menino?

Dona Inácia bradava em cólera, examinando a saca quase vazia.

– Está aí, ora. Até ouvi o batido do vidro do talco.

Ele balbuciava deitado na rede, de sapatos e tudo, semiacordado, sentindo a terra girar.

Eram duas garrafas de cachaça. A saca fora trocada. Nem dinheiro nem enxoval. O bornal de couro vazio.

E Severo a dormir o sono dos injustos, sonhando com o próximo dia de feira.

 

©RC

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